Juntamente com mais cinco deputados do Partido Socialista
subscrevi o seguinte Projecto de Resolução:

PROJECTO DE RESOLUÇÃO Nº 410/ X
Que recomenda ao governo a revisão da comparticipação estatal na aquisição de medicamentos específicos para o tratamento da Demência na Doença de Alzheimer.”


I – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A Doença de Alzheimer ( DA ) é uma doença do cérebro, progressiva, irreversível, que começa por atingir a memória, e, paulatinamente, outras funções mentais, acabando por determinar a completa ausência de autonomia dos doentes, que se tornam incapazes de realizar a mais pequena tarefa, deixam de reconhecer os rostos familiares, ficam incontinentes, acabando quase sempre acamados. A DA provoca deficiência cognitiva, afectando principalmente a memória necessária para reter novas informações. À medida que a doença evolui, várias outras funções cognitivas, como orientação, linguagem, julgamento, função social e habilidade de realizar tarefas motoras, também declinam.

A DA atinge população idosa e esta, em média, vive em situação de maior precaridade social e económica, e tem que suportar, para melhorar a sua qualidade de vida, despesas muito avultadas com estes medicamentos, já que as especialidades farmacêuticas utilizadas para o tratamento deste síndroma, são objecto de comparticipação do Estado pelo escalão C, desde que prescritas por Médicos das especialidades de Neurologia e Psiquiatria, o que se traduz na prática, para o Regime Geral, numa comparticipação estatal em 37%, e para o Regime Especial, numa comparticipação de 52%.

Por sua vez, o Plano Nacional de Saúde 2004-2010, que resultou duma ampla e profunda reflexão pública, e que recebeu os contributos das mais diversas personalidades, instituições e sectores da saúde, contempla orientações estratégicas destinadas a sustentar política, técnica e financeiramente o sistema de saúde no nosso país.
Uma das orientações estratégicas do Plano tem a ver com a importância e a urgência em se “detectar, diagnosticar, e acompanhar a globalidade dos pacientes com doenças neurodegenerativas”, criando as condições para se poderem atenuar as dificuldades surgidas com os elevados encargos financeiros que estas doenças implicam, bem como para garantir o “acesso equitativo a fármacos e meios indispensáveis para a auto-vigilância “.
O Plano nacional de Saúde 2004-2010, dá um especial relevo ao tratamento da fase precoce destas patologias, dando prioridade ao diagnóstico e seguimento dos estadios com déficit cognitivo ligeiro, onde os benefícios terapêuticos são reconhecidamente maiores.

Por sua vez, a saúde mental foi considerada por este governo uma das áreas prioritárias no campo da saúde. De modo a superar o esquecimento a que tem sido votada ao longo dos tempos. O governo incluiu a Saúde Mental no Plano Nacional de Saúde e, em 2006, nomeou uma Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental, com a missão de estudar a situação do país e de propor um Plano Nacional de Saúde Mental.

II – FUNDAMENTAÇÃO TÉCNICA

a) Etiologia

A origem da DA ainda não está completamente determinada, embora seja aceite pela comunidade científica ser uma doença geneticamente determinada, não necessariamente hereditária.
A DA está fortemente associada à idade. Rara antes dos 50 anos, pode afectar os sectores etários mais avançados, de forma estatisticamente muito significativa.
É a principal causa de declínio cognitivo em adultos, sobretudo idosos, representando mais da metade dos casos de demência.
A idade acaba por ser o principal factor de risco, bem evidente nos números da sua prevalência.
Desde a descoberta da DA por Alois Alzheimer, surgiram muitas dúvidas e confusões sobre a sua relação com o envelhecimento normal, uma vez que alterações microscópicas observadas no cérebro de pacientes com doença de Alzheimer também se encontram em cérebros de pessoas idosas sãs. A diferença está na quantidade e distribuição dessas mesmas alterações.
A senilidade é uma deterioração das funções físicas e mentais resultantes da idade avançada, não tendo necessariamente relação com a DA.Demência é um termo médico utilizado para denominar disfunções cognitivas globais, podendo ocorrer em várias doenças diferentes, como doenças Cerebrovasculares (avcs), Alcoolismo, Sida, Doença de Parkinson e Doença de Alzheimer.
Contudo, a DA é a causa mais comum de demência. Não se devem confundir os distúrbios causados pelo envelhecimento normal com perturbações provocadas pela demência.
Algumas alterações de memória e outras funções cognitivas são comuns em idosos sadios. Mas na demência, há um déficit cognitivo que resulta na perda de funções responsáveis pelas actividades domésticas, laborais e sociais.
A perda de memória ocorre sempre na demência, mas não é suficiente para o diagnóstico desta, sendo necessário o declínio de pelo menos uma outra área da função cognitiva.
A perturbação progressiva da memória e de outras funções cognitivas, afecta os processos de aprendizagem e evocação, evoluindo para a incapacidade total para novas aquisições de conhecimentos. Embora haja alguma preservação da memória remota, na fase inicial, a perda de memória é global na evolução da DA. O indivíduo torna-se progressivamente incapaz de desempenhar qualquer actividade da vida diária (trabalho, lazer, vida social) e de cuidar de si mesmo ( asseio pessoal e alimentação ), ficando completamente dependente.
Na fase avançada, observa-se a tríade: afasia, apraxia e agnosia, caracterizada pela perda significativa da linguagem, da capacidade para desempenhar tarefas e de nomear pessoas e objectos.

Alterações psíquicas e comportamentais, tais como psicose, alterações do humor e do sono, agitação psicomotora e agressividade, estão também presentes em cerca de 75% dos casos nalgum estadio desta demência, o que exige intervenções farmacológicas específicas.

b) Enquadramento legal

Os medicamentos para a DA estão enquadráveis, de acordo com a Portaria 1474/2004, no escalão C, uma vez que pertencem aos “Medicamentos utilizados no tratamento sintomático das funções cognitivas” (2.13.1), e portanto beneficiam duma comparticipação de 37%.
O mesmo diploma, fixa, para os antipsicóticos simples, também utilizados na Demência da DA (2.9.2), a comparticipação de 95%.

A Portaria 1474/ 2004 consagra as comparticipações do Estado, por escalões, através dum anexo, onde os Grupos e Subgrupos farmacoterapêuticos estão contemplados.
Relativamente aos doentes com DA, a inexistência, em qualquer um dos escalões, dum item específico relativo a este síndroma, leva-nos a considerar os “Medicamentos utilizados no tratamento sintomático das alterações das funções cognitivas” (2.13.1), como o Subgrupo onde estes fármacos deverão ser enquadrados para efeitos de comparticipação – escalão C.

Através do Despacho 4250/2007, que veio actualizar o Despacho 21212/2003, são descritos nominalmente as especialidades farmacêuticas para tratamento da DA, objecto de comparticipação do Estado pelo escalão C, desde que prescritas por Médicos das especialidades de Neurologia e Psiquiatria, o que se traduz na prática, para o Regime Geral, numa comparticipação pelo Estado em 37%, e para o Regime Especial, numa comparticipação Estatal de 52%.

b) Enquadramento bioquímico e fisiopatológico

A discussão sobre a eficácia dos fármacos disponíveis no mercado, específicos para a Demência na DA, continua a desenvolver-se na comunidade médica e científica.
Daí a necessidade de uma pequena revisão actualizada sobre esta matéria, que identifique os aspectos mais relevantes do actual estado da arte, assim como dos grandes estudos multicêntricos, onde a relação custo-benefício tem sido aferida.

A DA é a principal causa de declínio cognitivo em adultos, sobretudo idosos, representando mais da metade dos casos de demência.
A idade acaba por ser o principal factor de risco, bem evidente nos seguintes números. A prevalência passa de 0,7% aos 60 a 64 anos de idade, para cerca de 40% no grupo etário de 90 a 95 anos.
A DA caracteriza-se por perturbação progressiva da memória e de outras funções cognitivas, afectando o funcionamento ocupacional e social. O transtorno da memória afecta os processos de aprendizagem e evocação, evoluindo para a incapacidade total para novas aquisições de conhecimentos. Embora haja alguma preservação da memória remota, na fase inicial, a perda de memória é global na evolução da DA.

Alterações psíquicas e comportamentais, tais como psicose, alterações do humor e do sono, agitação psicomotora e agressividade, estão também presentes em cerca de 75% dos casos nalgum estadio desta demência, o que exige intervenções farmacológicas específicas.

Ao longo do curso evolutivo, diferentes mecanismos de neurodegradação predominam. As vias neuronais pertencentes ao sistema colinérgico e suas conexões, são preferencialmente atingidas na DA, traduzindo-se em placas senis e emaranhados neurofibrilares, como resultado do metabolismo anormal da proteína precursora do amilóide (APP), e dos agregados do peptídeo β-amilóide.
Estas alterações ocorrem, desde o início da doença, em estruturas do lobo temporal, incluindo o hipocampo, consideradas estruturas essenciais para os processos de memória. Com a evolução da doença, o processo degenerativo generaliza-se para o neocórtex de associação, atingindo áreas cerebrais responsáveis por outros processos cognitivos.Admite-se que anos antes do início da demência já ocorra deposição e acumulação de peptídeos β-amilóides nos lobos temporais, comprometendo a neurotransmissão colinérgica. À medida que esse processo evolui, somam-se as reacções gliais inflamatórias e oxidativas, além do comprometimento do citoesqueleto, levando à formação dos emaranhados neurofibrilares.

Portanto, paralelamente à progressão do processo patogénico, ocorre conversão do comprometimento cognitivo leve para os estadios iniciais da demência. Na demência moderada e avançada, intensificam-se as perdas neuronais e surgem disfunções sinápticas e neuroquímicas, afectando, sobretudo, os sistemas colinérgico, serotonérgico e glutamatérgico.
Assim, na DA há redução da função colinérgica central, atribuível à redução da actividade da enzima acetilcolinotransferase, responsável pela síntese de acetilcolina. Tal disfunção, predominantemente pré-sináptica, cursa com relativa preservação da neurotransmissão pós-sináptica.

Esta é a justificação da terapêutica com drogas que aumentam a disponibilidade sináptica de acetilcolina.
Apesar da recente experimentação de novas substâncias pretensamente activas na DA, como os anti-inflamatórios não esteróides, os estrogénios, as estatinas, os anti-oxidantes, e a gincko biloba, a medicina baseada na evidência tem optado pelas drogas que actuam nos neurotransmissores, colinérgicos e glutamatérgicos.
Este tratamento farmacológico pretende preservar ou restabelecer a cognição, o comportamento, e as habilidades funcionais do paciente com demência. Contudo, os efeitos das drogas hoje aprovadas para o tratamento da DA limitam-se ao retardar a evolução natural da doença, permitindo apenas uma melhoria funcional temporária.
Os inibidores das colinesterases (I-ChE) baseiam-se no pressuposto déficit colinérgico que ocorre na doença, e visa o aumento da disponibilidade sináptica de acetilcolina, através da inibição dos suas principais enzimas catalíticos, a acetil e a butirilcolinesterase.
Têm efeito sintomático discreto sobre a cognição, algumas vezes beneficiando também certas alterações não-cognitivas da demência.
A resposta aos I-ChE é heterogénea, sendo que alguns pacientes beneficiam claramente, enquanto outros, muito pouco.
Estudos controlados por placebo, mostram que os benefícios são geralmente observados a partir de 12 a 18 semanas e, possivelmente, desaparecem após seis a oito semanas da interrupção do tratamento. Outros estudos que avaliaram a eficácia dos I-ChE mostraram, de forma consistente, que a sua administração para pacientes com DA leve ou moderada resulta em benefícios discretos em relação aos grupos-placebo, sobre a cognição, o comportamento e as capacidades funcionais.

Um outra droga, cada vez mais usada no DA moderadamente grave a grave, é a Memantina.
A justificação para o uso da Memantina na DA reside nos seus efeitos sobre a neurotransmissão glutamatérgica que, tal como a colinérgica, se encontra alterada nessa doença. O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório cerebral, particularmente em regiões associadas às funções cognitivas e à memória, tais como o córtex temporal e o hipocampo. O glutamato também age como uma excitotoxina, causando a morte neuronal quando níveis elevados desse neurotransmissor são libertados por períodos prolongados.
Em todo o caso, deve-se pesar sempre a relação custo-benefício do tratamento, uma vez que os I-ChE e a Memantina são medicamentos muito caros.
Muito recentemente os resultados de um grande estudo multicêntrico realizado nos Estados Unidos, talvez o maior estudo realizado até hoje, voltam a questionar essa relação, uma vez que a esmagadora maioria dos pacientes observados e tratados com este fármacos, apresentaram indícios de uma melhoria cognitiva muito ligeira, e não foram beneficiados pelo tratamento no que diz respeito à progressão irreversível da sua incapacidade funcional e da sua doença.

Com um número tão reduzido de moléculas afectas aos mecanismos biofisiológicos atrás referidos, os I-Che e a Memantina, apesar das suas manifestas limitações, e da sua questionável eficácia, têm vindo a obter a adesão dos clínicos, e a fazer parte do arsenal terapêutico disponível para o tratamento da D.A. Por essa razão, e pelos conhecimentos do actual estado da arte, justifica-se uma revisão da sua comparticipação actual.

III) Tendo em consideração o acima exposto, a Assembleia da República resolve, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 156º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo o seguinte:

- A revisão da comparticipação do estado nos medicamentos específicos para o tratamento da Demência da Doença de Alzheimer, reduzindo significativamente a despesa dos cidadãos e das famílias com a aquisição destes fármacos.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2008


OS DEPUTADOS DO PARTIDO SOCIALISTA
O Projecto de Resolução baixou em 12-12-2008 à Comissão de Saúde ( Comissão competente)


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