PROJECTO DE RESOLUÇÃO Nº 383/X


“Recomenda ao Parlamento Europeu a adopção de um conjunto de medidas a inserir na Proposta de Regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para o regime de apoio directo aos agricultores no âmbito da PAC e institui determinados regimes de apoio aos agricultores”

A Política Agrícola Comum ( PAC ) será talvez uma das políticas comunitárias mais controversas, por ser algumas vezes indutora de desigualdades e injustiças entre países, regiões e agricultores do espaço europeu, mas ao mesmo tempo é uma das mais importantes e necessárias, dada a heterogeneidade de territórios, o diferencial de potenciais endógenos nos países da União, a diversidade e especificidade de produções, e as diferenças entre as distintas culturas organizacionais.A longevidade da PAC prova também a sua imprescindibilidade, a sua capacidade de adaptação para servir uma Comunidade em paulatino

crescimento, em tempo de mudanças sociais e económicas à escala global.

Por outro lado, a competitividade da agricultura europeia enfrenta hoje, novos e complexos desafios, que têm a ver com a segurança dos abastecimentos, a qualidade alimentar, a sustentabilidade ambiental, as alterações climáticas, as energias renováveis, e a manutenção de uma economia dinâmica e diversificada nos territórios rurais, em coerência com os objectivos reafirmados no Tratado de Lisboa, e que contribua para a coesão social e territorial do espaço europeu.
Vivemos ainda as vicissitudes duma economia globalizada, com um número significativo de países emergentes a apresentar taxas elevadas de crescimento do PIB, acompanhadas de aumentos bruscos do consumo de matérias primas, e que no sector agrícola se têm traduzido em desequilíbrios entre a oferta e a procura de bens alimentares, contribuindo para um espectacular inflacionamento dos mesmos.

O “exame de saúde” da PAC torna-se portanto urgente, e uma exigência dos novos tempos, numa União Europeia a 27, para que a PAC continue a ser uma política do presente e do futuro, capaz de avaliar os seus instrumentos e testar o respectivo funcionamento, identificando os ajustamentos necessários para responder aos seus objectivos e se adaptar a novos desafios.
Dessa avaliação resulta também o entendimento da manutenção de algumas medidas, o seu aprofundamento, e também, a supressão de algumas outras.
Um dos aspectos mais controversos e mediaticamente mais discutidos da PAC tem a ver com os pagamentos directos, de que se salienta o regime de pagamento único (RPU). Em 2003, os pagamentos directos foram aplicados no sector das culturas arvenses, das carnes de bovino e ovino, e dos produtos lácteos, e em 2004, para os sectores do azeite, do algodão e do tabaco, e dos sectores do açúcar (2006), das frutas e produtos hortícolas (2007).

As ajudas directas têm revestido diversas formas, ao longo da Politica Agrícola Comum, e naturalmente deverão hoje ser objecto de ajustamentos.
Mas é conveniente sublinhar, numa altura de redefinição de políticas, que os pagamentos directos são imprescindíveis, como garantia básica do rendimento, não apenas no caso do mercado fracassar, como também para o abastecimento de bens públicos pelos agricultores, e como compensação pelos níveis de protecção ambiental, segurança alimentar, rastreabilidade, e bem-estar animal.

Mas ajudas indexadas à produção, tiveram o seu tempo, e são bem conhecidas as suas consequências e perturbações. Nos mercados, no ambiente, e mais tarde no próprio rendimento dos produtores. Produzir bens em excesso, sem mercado, com objectivo de subsídio, quantas vezes em prejuízo do ecossitema, é modelo sem hipótese de retorno.

Dissociar as ajudas da produção, parece-nos sem dúvida corresponder a uma solução mais adequada, através de um modelo que mantenha um apoio base, que permita mais
liberdade ao agricultor para se orientar para objectivos de mercado, ou seja, que produza aquilo que entende que o mercado lhe vai comprar e não produza intensivamente porque há um subsídio correspondente, mesmo que o produto não tenha mercado.
Mas o desligamento total será tanto mais correcto na medida em que utilizar um instrumento que obrigue o agricultor a ser um verdadeiro agricultor e não um mero proprietário. Isto é, o agricultor deverá ter que produzir, criar emprego, para receber a ajuda. Produzirá os bens que entender, os bens que correspondam à sua ideia de negócio.

A PAC deverá contribuir cada vez mais para prevenir os riscos de degradação ambiental, garantir o fornecimento de bens públicos esperados pelas nossas sociedades, uma vez que, através da condicionalidade, o apoio aos produtores depende agora do respeito de normas em matéria de ambiente, de saúde pública, de segurança e qualidade dos alimentos e de bem-estar dos animais.

Entende-se ainda como muito importante o reforço da política de desenvolvimento rural, o 2º pilar da PAC. Um reforço que contribua para a protecção do ambiente e das paisagens rurais, seja uma fonte de crescimento, emprego e inovação nas zonas rurais, em especial nas regiões de montanha e ultraperiféricas, despovoadas ou altamente dependentes da agricultura.

Entendeu por isso, a Comissão Europeia propor um conjunto de medidas intercalares que resultaram do “ exame de saúde “ já referido, medidas essas que pretendem estabelecer novas regras específicas, sobre matérias que constam de regulamentação comunitária inserida nos seguintes diplomas:
– Regulamento (CE) n.º 1782/2003 do Conselho, de 29 de Setembro de 2003, que
estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política
agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores,
– Regulamento (CE) n.º 1234/2007 do Conselho, de 22 de Outubro de 2007, que
estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições
específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento "OCM única"),

Por sua vez, o Parlamento Europeu ( PE ), tem vindo a debater amplamente a Proposta de Regulamento do Conselho, “ que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores “, que a sra. Comissária Europeia da Agricultura apresentou, preparando-se para um debate e aprovação final em Plenário do PE.

Tendo ainda em consideração o “PROTOCOLO RELATIVO AO PAPEL DOS PARLAMENTOS NACIONAIS NA UNIÃO EUROPEIA “, publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 16.12.2004, que se fundamenta no desejo de incentivar uma maior participação dos Parlamentos Nacionais nas actividades da União Europeia e reforçar a sua capacidade de exprimirem as suas opiniões sobre os projectos de actos legislativos europeus e outras questões que para eles possam revestir especial interesse, a Assembleia da República entende dever tomar uma posição sob a forma de Projecto de Resolução a enviar ao Parlamento Europeu, acerca desta revisão intercalar da PAC, de importância vital para o futuro duma agricultura portuguesa sustentável.

II

Tendo em consideração todos estes desideratos, importa fazer o ponto da situação da Reforma da PAC 2003, apreciar o diagnóstico contido no seu “exame de saúde” e contribuir para uma melhor afinação dos instrumentos que o PE e o Conselho Europeu se preparam para aprovar, de que se destaca:

1 – Regime de pagamento único – RPU

Simplificação. Uma das prioridades tem sido melhorar e simplificar a legislação. A PAC tentou enveredar por esta via ao transferir a maior parte dos pagamentos directos aos agricultores para o regime de pagamento único, conseguindo reduzir parcialmente a burocracia. Verifica-se contudo, que a simplificação continua a ser muito necessária, tanto na questão da condicionalidade, como no desligamento parcial.

Condicionalidade. A reforma da PAC de 2003 introduziu a condicionalidade no RPU, condicionando esse pagamento à legislação em matéria de ambiente, segurança dos alimentos e bem-estar animal.
Também neste domínio a simplificação se torna importante, precisando melhor o que é prioritário em matéria ambiental, como a questão da água por exemplo, e as condições ambientais das terras agrícolas em fase de produção ou não, devendo ainda ser incluída como elemento de condicionalidade a questão da higiene e segurança no local de trabalho.

Apoio Dissociado. O pagamento das ajudas directas por valores indexados ao histórico de 3 anos de referência, escolhidos sem prévio conhecimento do agricultor, constitui uma medida burocrática, aleatória, que em muitos casos penaliza o agricultor. A passagem para um modelo de base territorial pode tornar o sistema mais justo, sobretudo se lhe for acrescentado o factor emprego.

Pagamentos suplementares. Conceder aos Estados-membros a possibilidade de utilizar até 5% adicionais dos seus limites máximos nacionais para financiar seguros de colheitas e fundos mútuos, de forma a garantir um financiamento adequado do sistema de riscos e crises.

Modulação. Com a reforma de 2003, foi acordada uma modulação obrigatória para todos os Estados-Membros da UE-15, com início em 2005 a uma taxa de 3%, aumentada para 4% em 2006 e 5% a partir de 2007. Foi igualmente introduzida um patamar de 5 000 euros, abaixo da qual não é aplicada qualquer redução dos pagamentos directos.
A modulação é justificável enquanto instrumento de financiamento do desenvolvimento rural. A modulação progressiva a aplicar de acordo com uma taxa progressiva, tem também plena justificação uma vez que é justo que beneficiários que mais recebem mais contribuam para esse objectivo.
Parece-nos no entanto que o limite em vigor dos 5000 euros deveria ser revisto e actualizado para cima, bem como a criação de um tecto máximo para o pagamento de ajudas, dada a capacidade competitiva das organizações com dimensão para usufruir de ajudas directas de 300.000, 400.000 ou 500.000 euros.
O critério de redistribuição das verbas provenientes da nova modulação progressiva, deverá estar em linha com o que é aplicado à modulação obrigatória já em vigor.

Limites mínimos. A Comissão propõe o estabelecimento de um limite mínimo de 250€/ano ou de 1ha a partir do qual os pequenos agricultores são impedidos de receber apoios directos, invocando os elevados custos e a burocracia associados ao processamento dos apoios.
É incompreensível esta disposição. Excluir pequenos e muito pequenos agricultores, os grandes guardiões do ambiente e da biodiversidade, agricultores de produtos tradicionais, geralmente afectos a variedades do património genético endógeno, é um erro injustificável.
Acresce ainda o facto de estarmos a entrar num novo paradigma de produção de bens alimentares essenciais, a manter-se a rarefacção da oferta nos mercados internacionais, o que trará inevitavelmente, em economias menos desenvolvidas, a revalorização da agricultura familiar de pequena e de muito pequena dimensão, como produtora de bens para si e para a comunidade local, e promotora da manutenção de pessoas nos territórios rurais.
Recorde-se que os agricultores que recebem até 250€ representam cerca de 31% do universo total a que corresponde apenas 0,84% dos pagamentos.
Com toda a agilidade administrativa poderão passar a pagar-se montantes iguais ou inferiores a 500€/ano, pagos de 2 em 2 anos, com pagamento no primeiro ano.

2 – Organização Comum de Mercado

Mecanismos de Intervenção no Mercado. Que deverão ser mantidos sempre que for julgado necessário, para dar segurança, evitar a especulação, e uma baixa abrupta dos preços, sobretudo nalguns produtos agrícolas comercialmente mais sensíveis, como o trigo mole, por exemplo.

Supressão da Retirada das Terras da Produção. É a situação do mercado que o aconselha. Deverão no entanto ser colocados à disposição dos Estados-Membros instrumentos adequados para garantir que os benefícios ambientais actuais da retirada, possam ser mantidos.

Quotas Leiteiras. A sua supressão constitui uma das medidas mais polémicas e ao mesmo tempo, difíceis, para a defesa dos interesses nacionais, no contexto dos fóruns europeus, dominados actualmente por uma tendência liberalizante.
Em 1984, foram introduzidas quotas leiteiras como resposta à sobreprodução. A situação actual é diferente. O mercado já tem experimentado períodos de carência de oferta, e há um número significativo de países que não ocupam a sua quota.
A Comissão, dando como adquirido o fim das quotas em 2015, por imperativo regulamentar anteriormente aprovado, sugere medidas transitórias progressivas de supressão de quotas, de forma a chegar a um mercado sem quotas em 2015.
Dadas as especificidades do sector no nosso país, os constrangimentos derivados dos custos de contexto mais elevados nas nossas regiões leiteiras, sem condições para uma mitigação total, com particular destaque na Região Autónoma dos Açores, a atitude deverá ser outra.
Monitorizar a evolução do mercado leiteiro europeu e mundial, implementar aumentos de cota 1% ao ano, desde que a relação oferta/procura o permita, de forma a evitar perturbações na sustentabilidade do sector leiteiro português, e finalmente fazer um novo ponto da situação em 2010.

Armazenagem Privada. É uma medida que faz todo o sentido dada a aleatoriedade do mercado, apoiar um mecanismo de armazenagem que inclua o leite em pó, a manteiga, a produção de caseína, bem como a carne de vitela, e outras carnes, de acordo com a evolução dos mercados.

Restituição à Exportação de Cereais. Tendo em consideração a situação actual do mercado e as perspectivas para os próximos anos, faz sentido suprimir este subsídio, como forma de reforçar o aprovisionamento europeu, e de solidariedade para com os países em vias de desenvolvimento.

Gestão de Riscos e Crises. O sistema de riscos e crises proposto pela Comissão assenta nos seguros de colheitas e nos fundos mutualistas, sendo importante pelo seu carácter preventivo.

3 - Política de Desenvolvimento Rural.


Novos Desafios. Com as limitações orçamentais fixadas até 2013, o reforço dos das verbas afectas aos programas de desenvolvimento rural terá ser alimentado com a modulação obrigatória.
As alterações climática, as energias renováveis, a gestão da água e da biodiversidade deverão ser referências obrigatórias a acompanhar o reforço da empregabilidade e do tecido social rural no desenvolvimento dos territórios rurais, cujo financiamento deverá provir dos fundos adicionais decorrentes da nova modulação, do plafonamento, e do novo mecanismo introduzido no artigo 68º.
São ainda propostas medidas adicionais relativas à utilização das energias solar, eólica e geotérmica, melhoria da gestão de resíduos e reutilização de materiais, gestão dos riscos de inundações, promoção de inovação e transferência de conhecimentos.

Reforço à Primeira Instalação de Jovens Agricultores. Dado o envelhecimento da população agrícola activa e o despovoamento a que se assiste em muitas regiões europeias, e ainda tendo em consideração a mudança de paradigma no papel que a agricultura vai desempenhar nos próximos tempos, como actividade imprescindível para a produção de bens alimentares cada vez mais escassos, para a defesa do ambiente, dos ecossistemas e da biodiversidade, é imprescindível atrair juventude para a produção agrícola, sendo ajustado aumentar o apoio à primeira instalação de jovens agricultores.

III

Tendo em consideração o atrás exposto, a Assembleia da República resolve, ao abrigo dos normativos regimentais e regulamentares em vigor, recomendar ao Parlamento Europeu, que na revisão intercalar da PAC :



a) Valorize o respeito pelo cumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho, e o factor empregabilidade na atribuição das ajudas directas.
b) Isente da aplicação da modulação beneficiários que recebam menos de 7.000 euros, fixe um limite máximo de atribuição de ajudas directas, e estabeleça uma taxa de modulação progressiva indexada ao montante financeiro a receber.
c) Mantenha os critérios de redistribuição das verbas resultantes da nova modulação progressiva, semelhantes aos que se aplicam na modulação obrigatória
d) Mantenha as ajudas aos agricultores com menos de 1 ha, ou menos de 250 euros/ ano.
e) Permita a retenção até 10% dos envelopes nacionais por parte dos Estados-Membros, para utilizar em programas específicos de apoio a sectores em dificuldade, e de transferirem parte dessas verbas para o desenvolvimento rural sem recurso ao co-financiamento.
f) Permita a retenção até 5% dos envelopes nacionais para financiar sistemas de gestão de riscos e crises, podendo transferir para o 2º pilar as verbas remanescentes, sem co-financiamento.
g) Monitorize a evolução dos mercados leiteiros, aumente as cotas em de 1% por ano, se a relação oferta/procura o recomendar, e prepare uma reavaliação das medidas de política para o sector do leite, para 2010.
h) Obrigue os Estados-Membros a utilizarem pelo menos 50% das verbas transferidas do 1º para o 2º pilar, em acções relacionadas com os novos desafios: alterações climáticas, biodiversidade, energias renováveis, gestão dos recursos hídricos.
i) Eleve de 55.000 para 75.000 euros o montante a atribuir para a instalação de jovens agricultores..

26.09.2008

Os Deputados do Partido Socialista

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